Existem títulos que são ganhos com a bola. E existem aqueles que são conquistados com o sangue, com a alma e com um inesgotável desejo de justiça. A Copa Libertadores da América de 1981, para o Flamengo, pertence à segunda categoria. A final contra o Cobreloa, do Chile, não foi uma partida de futebol; foi uma trilogia épica que opôs a arte do time de Zico à mais brutal e covarde violência. Foi uma jornada que nos levou do céu do Maracanã ao inferno de Santiago, culminando em uma coroação apoteótica e vingativa em Montevidéu.
Ato I - O Maracanã: Uma Vitória com Gosto de Alerta
O primeiro jogo da final, em 13 de novembro de 1981, foi no Maracanã. A Nação, confiante, esperava uma vitória tranquila. Em campo, o Flamengo dominou, e o gênio Zico marcou duas vezes, mostrando a superioridade técnica do time. No entanto, o Cobreloa, com seu jogo físico e catimbeiro, conseguiu marcar um gol. O placar final de 2 a 1 era uma vitória, mas uma vitória magra, perigosa. O alerta estava dado: a batalha no Chile seria diferente.
Ato II - O Inferno de Santiago: A Batalha Mais Suja da Nossa História
O que aconteceu no dia 20 de novembro, no Estádio Nacional de Santiago, foi uma das páginas mais vergonhosas do futebol sul-americano. O Cobreloa não entrou em campo para jogar futebol; entrou para uma guerra. Desde o primeiro minuto, os jogadores do Flamengo foram caçados em campo com uma violência sem precedentes. O zagueiro chileno Mario Soto se tornou o símbolo da brutalidade, usando de todos os artifícios para intimidar e machucar.
O auge da covardia foi quando, em um lance, Soto usou uma pedra que escondia em sua mão para abrir um corte profundo no supercílio de Lico. O sangue escorrendo pelo rosto do nosso ponta se tornou o símbolo daquela noite de terror. Andrade teve a camisa rasgada, Zico foi chutado sem piedade. Vítimas de uma arbitragem conivente e de um ambiente de guerra, o Flamengo perdeu o jogo por 1 a 0. Mas a derrota no placar era o de menos. Aquele time não saiu de Santiago derrotado; saiu ferido, humilhado e com uma sede de vingança que definiria o próximo capítulo.
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Ato III - A Vingança de Zico: Justiça e Glória em Montevidéu
O terceiro e decisivo jogo foi marcado para campo neutro, no lendário Estádio Centenário, em Montevidéu, em 23 de novembro. Aquele não era mais um jogo por um troféu; era uma questão de honra. E o Flamengo entrou em campo para lavar a alma com futebol.
A resposta à selvageria do Cobreloa veio pelos pés do nosso Rei. Zico, o alvo principal da violência chilena, assumiu o papel de justiceiro. Em uma atuação de gala, ele comandou o time e usou sua arma mais letal para executar a vingança. Aos 18 minutos do primeiro tempo, cobrou uma falta com a perfeição de um artista e a frieza de um carrasco. 1 a 0.
No segundo tempo, a história se repetiu. Outra falta. Outra cobrança magistral. 2 a 0. A cada gol, Zico não comemorava; ele extravasava. Era a resposta da arte contra a brutalidade, do talento contra a covardia. O Cobreloa, perdido, apelou para a violência novamente e teve jogadores expulsos. Ao apito final, a justiça estava feita. O Flamengo, de forma heróica, não era apenas campeão da América; era o time que vingou a honra do futebol-arte. Aquele título não foi apenas ganho; foi conquistado na alma.