Para conquistar o mundo, primeiro é preciso conquistar o seu continente. E na América do Sul, a Taça Libertadores da América nunca foi um troféu para os fracos. É uma competição forjada no fogo, na altitude, na rivalidade e na "catimba". Em 1981, o time genial do Flamengo, que já sobrava no Brasil, tinha uma missão: provar que seu futebol-arte podia também ser um futebol de guerra. A campanha daquele ano não foi apenas um torneio; foi uma cruzada, uma odisseia cheia de batalhas épicas, controvérsias e uma final em três atos que testou o corpo e a alma de Zico e sua geração. Esta é a história de como o Flamengo subjugou um continente para gritar: "A América é Nossa!".
A Batalha de Belo Horizonte: O Início de Fogo
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O destino colocou o Flamengo em um grupo dificílimo, ao lado do poderoso Atlético-MG, o outro grande time do Brasil na época. A disputa seria ferrenha, e foi. Os jogos entre os dois foram marcados por um futebol de altíssimo nível, mas também por uma rivalidade explosiva. O confronto decisivo para definir o classificado do grupo, jogado em campo neutro no Serra Dourada, em Goiânia, entrou para a história.
Naquele jogo, o árbitro José Roberto Wright teve uma atuação polêmica, expulsando cinco jogadores do Atlético-MG e encerrando a partida por falta de número mínimo de atletas em campo antes dos 40 minutos do primeiro tempo. A vitória foi dada ao Flamengo, mas o episódio acendeu uma rivalidade que perdura até hoje e mostrou que, para ser campeão, o Flamengo teria que superar tudo e todos.
Rumo à Final: Superando a Altitude e a Catimba
Classificado para a fase semifinal, o Flamengo caiu em um novo grupo, desta vez contra o Deportivo Cali, da Colômbia, e o Jorge Wilstermann, da Bolívia. A essa altura, o time já estava cascudo. A Nação Rubro-Negra deu show nos jogos do Maracanã, e fora de casa, o time mostrou maturidade para superar os desafios clássicos da Libertadores: a altitude de Cochabamba e a pressão em Cali. Com autoridade e o talento de Zico, Nunes e companhia, o Flamengo venceu o grupo de forma invicta e carimbou seu passaporte para a tão sonhada final. O adversário seria o duro e temido Cobreloa, do Chile.
A Final em Três Atos: Uma Guerra Contra o Cobreloa
A decisão da Libertadores de 1981 não foi um jogo; foi uma trilogia de drama, violência e redenção.
Ato I: A Vitória no Maracanã
No primeiro jogo, com o Maracanã pulsando com mais de 90 mil vozes, o Flamengo fez valer o seu mando. Zico, como sempre, foi decisivo. Ele abriu o placar de pênalti e, depois, marcou um golaço de falta, sua marca registrada. O time chileno, muito catimbeiro, conseguiu diminuir, mas a vitória por 2 a 1 deu ao Flamengo a vantagem para o jogo de volta.
Ato II: A Batalha de Santiago
O que aconteceu em Santiago, no Chile, foi um dos capítulos mais vergonhosos e, ao mesmo tempo, heroicos da nossa história. O jogo foi uma verdadeira batalha campal. O zagueiro chileno Mario Soto se tornou o vilão, usando uma pedra escondida no calção para agredir os jogadores do Flamengo. Lico teve o supercílio aberto, Adílio e Andrade foram caçados em campo. O time, intimidado e vítima de uma arbitragem conivente, perdeu por 1 a 0. A delegação rubro-negra deixou o Chile não apenas derrotada, mas ferida e com um sentimento profundo de vingança.
Ato III: A Coroação em Montevidéu
Zico, o Rei, assumiu o papel de justiceiro. Aos 18 minutos, abriu o placar em uma cobrança de falta magistral, indefensável. No segundo tempo, aos 79 minutos, outra falta na entrada da área. Outra cobrança perfeita. 2 a 0 no placar. A cada gol, Zico corria para a câmera e gritava, extravasando toda a raiva acumulada. A América estava pintada de vermelho e preto. O time não só venceu; ele superou a violência com o talento, conquistando seu primeiro e mais épico título da Libertadores. O passaporte para Tóquio estava carimbado.