O futebol tem deuses da técnica, da velocidade e da genialidade. O Flamengo tem todos eles. Mas o nosso panteão reserva um lugar especial e único para um deus de algo diferente, um deus de um sentimento que não se mede em estatísticas, mas se sente na alma: o Deus da Raça. José de Cássio Marques, o Rondinelli, não era o jogador mais habilidoso daquele time de estrelas, mas se tornou um dos ídolos mais transcendentais da nossa história por personificar, em um único e épico momento, a essência do que é ser Flamengo. Esta é a história de como um zagueiro, com um cabeceio que parou o Rio de Janeiro, se tornou uma divindade para a Nação.
O Zagueiro da Força e da Entrega
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Rondinelli era um zagueiro à moda antiga. Firme, forte e com um poder de impulsão que parecia desafiar a gravidade. Sua principal característica não era a saída de bola refinada de um Beckenbauer, mas a determinação inabalável de um guerreiro que não perdia uma disputa. Para ele, não havia bola perdida. Cada dividida era uma batalha, cada jogada aérea era sua propriedade.
Esse estilo de jogo, de pura entrega e transpiração, gerou uma conexão imediata com a arquibancada. A torcida via em Rondinelli o reflexo de si mesma: a luta, a garra, a vontade de vencer na marra se preciso fosse. Ele era a representação física do que a Nação pedia em campo.
28 de Outubro de 1978: O Cabeceio que Mudou a História
Aos 41 minutos do segundo tempo, a cena que se eternizou. Zico se prepara para cobrar um escanteio pela ponta esquerda. Rondinelli, o zagueiro, inicia uma corrida improvável de seu campo de defesa em direção à área vascaína. Enquanto a bola viaja, o tempo parece parar. Ele sobe, sobe mais que todos, como se impulsionado por 70 milhões de corações. Ele "sobe no terceiro andar" e acerta uma testada violenta, fuzilando a bola para o fundo do gol.
O Maracanã explode em um som que, dizem, foi o mais alto já ouvido no estádio. Era o gol do título. O gol da catarse. O gol que fez um zagueiro virar lenda.
O Parto da Geração de Ouro
Aquele gol foi muito mais do que um título. Ele foi o "parto" da Geração de Ouro. Aquele jovem time, liderado por um Zico que já era gênio, precisava de um momento de afirmação, de uma vitória épica sobre seu maior rival para acreditar que podia ser o melhor. O gol de Rondinelli foi esse momento.
Ele quebrou a hegemonia do Vasco, lavou a alma da torcida e injetou no time uma confiança que o levaria, nos anos seguintes, a conquistar o Brasil, a América e o Mundo. Rondinelli, com aquele gesto, não apenas ganhou um campeonato; ele deu à luz a mentalidade vencedora da era mais gloriosa do clube.
Um Legado Eterno: Mais que um Jogador, um Sentimento
Com a ascensão de Mozer, Rondinelli perdeu a titularidade nos anos seguintes, mas jamais perdeu seu status de ídolo. Ele fez parte do elenco campeão brasileiro de 1980 e da Libertadores e Mundial de 1981, sempre como um líder respeitado e um símbolo para o grupo.
Seu legado, no entanto, é imaterial. Ele se tornou sinônimo de "raça". Até hoje, mais de quatro décadas depois, quando a Nação Rubro-Negra grita das arquibancadas pedindo "RAÇA!", ela está, em essência, evocando o espírito de Rondinelli. Ele é a prova viva de que, para se tornar um ídolo eterno do Flamengo, a técnica é importante, mas a entrega total e o coração na ponta da chuteira (ou da cabeça) podem te transformar em um deus.