Houve um tempo em que a lateral-direita do Flamengo não era uma posição tática; era uma manifestação de arte. Um tempo em que a defesa se misturava com a mais fina armação de jogadas, e a força bruta dava lugar à mais pura e desconcertante elegância. O dono desse tempo e dessa arte era José Leandro de Souza Ferreira, mas para a Nação Rubro-Negra e todo o Brasil, ele era simplesmente Leandro, o "Peixe-Frito" de Cabo Frio. Com uma técnica absurda e uma lealdade ao Manto Sagrado que se tornou lenda, Leandro não foi apenas um jogador; ele foi um patrimônio, um gênio que redefiniu sua posição e se tornou um dos maiores ídolos da nossa gloriosa história.
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Das Areias de Cabo Frio para a Realeza da Gávea
O apelido que o acompanhou por toda a carreira nasceu de suas origens humildes. Vindo de Cabo Frio, na Região dos Lagos do Rio, Leandro era filho do dono de um quiosque que vendia peixe frito na praia. E foi de lá que o garoto franzino, mas de talento exuberante, foi descoberto e trazido para as categorias de base do Flamengo. Como Zico e Júnior, Leandro era um "Cria da Gávea", um talento forjado em casa, que carregava o DNA rubro-negro em seu futebol.
Um Artista na Defesa: A Classe que Redefiniu uma Posição
Descrever Leandro como um "lateral-direito" é limitar sua genialidade. Ele era um maestro que começava a reger a orquestra a partir do campo de defesa. Sua principal característica era uma intimidade com a bola raramente vista em um defensor.
Um Armador na Lateral: Seus passes, curtos ou longos, eram precisos e venenosos. Seus lançamentos de "trivela", com a parte de fora do pé, se tornaram uma marca registrada, desmontando defesas adversárias.
Técnica Apurada: Seus desarmes eram feitos com uma limpeza e elegância impressionantes. Ele não precisava de carrinhos violentos; sua leitura de jogo e seu posicionamento perfeito permitiam que ele roubasse a bola com a classe de quem executa um passo de dança.
Versatilidade Genial: No auge de sua carreira e, posteriormente, para poupar seu joelho já castigado, Leandro foi deslocado para a zaga, onde deu outra aula de futebol. Como líbero, comandou o sistema defensivo com a mesma inteligência e categoria.
Sua maestria foi reconhecida mundialmente na Copa do Mundo de 1982, onde foi titular absoluto de uma das maiores seleções brasileiras de todos os tempos, ao lado de seus companheiros Zico e Júnior.
Amor Incondicional: O Homem de um Clube Só
O que eleva Leandro ao status de divindade para a Nação Rubro-Negra, além de sua técnica, é seu amor incondicional pelo clube. Em uma era onde as transferências para a Europa se tornavam comuns, Leandro fez uma escolha: jogaria sua vida inteira no Flamengo. Ele é um dos raríssimos "one-club men" do futebol brasileiro.
Esse amor foi personificado em um episódio lendário em 1986. Em um ato de lealdade a seu amigo Renato Gaúcho, que havia sido cortado da Seleção Brasileira por indisciplina, Leandro se recusou a embarcar para a Copa do Mundo do México. Ele abriu mão do sonho de disputar outro Mundial por uma questão de princípio e amizade. Para a Nação, aquele gesto, embora polêmico, foi a prova definitiva do caráter e da integridade de seu ídolo.
Um Legado de Saudade e Eterna Admiração
Infelizmente, a carreira desse gênio foi abreviada por lesões crônicas no joelho. Leandro foi forçado a se aposentar precocemente, aos 30 anos, em 1990. Para o futebol, ficou a saudade e a pergunta: "o que mais ele poderia ter feito?". Para a Nação Rubro-Negra, ficou a certeza de ter visto um dos maiores jogadores de sua história. Leandro, ao lado de Zico e Júnior, forma a Santíssima Trindade da Geração de Ouro. Ele é o símbolo eterno da classe, da genialidade e, acima de tudo, da lealdade a um só Manto: o Vermelho e Preto.